terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Meus desenhos


Adélia Prado- poeta mineira


Carlos Drummond de Andrade após a morte de Maria Julieta

Lula





Natal


padre Antônio Vieira - Barroco

Drummond


Drummond outra fase



Madame Lisa



Eduardo Carlos Pereira - homem de coragem

Oswaldo Cruz

minério

Senna

Vênus

Romeu e Julieta





Abominável Lula das Neves

natal

esboço de Joaquim Custódio

Che

esboço de O poder da Palavra

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O Conto de um poeta crônico


Não da Rua Cosmo Velho, desta vez, nasce mais uma memória póstuma. Que não seja interpretada como uma manifestação de impudor, pois também vivi com Carlos sua vida e compartilho um pouco da sua exclusiva autoridade de falar dela. Sei, melhor que ninguém, que não foram nem pobres, nem miúdos os acontecimentos que assinalaram sua passagem pelo mundo. Aqui a Vida será Passada a Limpo por quem melhor conhece um escritor: sua obra, e na opinião do meu autor, eu seria sua obra prima.
Aquele que também não leu da vida só um capítulo, mas o livro inteiro, sob a bênção de um anjo torto e com a missão de fazer versos, nasceu com o século XX, para vivê-lo quase todo. Entrou para o mundo como poeta revolucionário, para sobreviver não só a duas Grandes Guerras. A exemplo de Carlitos, veio meditar na sombra das chaves, das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame, juntar palavras duras, pedras, cimento, bombas, anotar com o lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta de mil, os braços cruzados de mil ou nada dizer, ou se engajar na Rosa do Povo, pois para ele viver foi o ato mais importante da vida.
Veio de Minas (por acaso?), minas que não produziu só minério de ferro... Foi pela mítica Itabira que entrou mato adentro na selva da vida, mato que o velho Carlos campeava, sem fim, pela fazenda e de onde veio a vontade de amar que paralisa o trabalho, devido a suas noites brancas, sem mulheres nem horizontes. Veio, principalmente, sua grande diversão: o hábito de sofrer, por isso a fotografia até hoje na parede.
Do deserto de Itabira, as coisas existiam irrespiráveis e súbitas, onde os antepassados transmitiam também o legado de sua existência aos primos-irmãos, avós dando as mãos aos mesmos bisavós, mesmos trisavôs, mesmos tetravôs, a mesma voz, o mesmo instinto, o mesmo fero exigente amor, que os papéis não confessam, nem a memória da família transmitiu como fato histórico ao vaso de transcendência, que a conversa, restaura e faz eterno. Onde um jardim, fantástico, é paisagismo familiar. Na companhia de Altivo e José, canteiros lembravam estrelas e imitavam coração. Histórias relembradas hoje pelo retrato da família, um tanto empoeirado, que traz ao primeiro plano o menino suspenso na memória que tem saudade de uma pueril vontade de ser irmão futuro, antigo e sempre.
Mas a vida nos empurra a novas famílias, novos irmãos nascem no corredor do colégio e nos tornamos parentes, de primeiro grau, daqueles cujo sangue nem se assemelha ao nosso. Irmãos por opção, Gustavo, Afonso são presentes da congregação do Verbo divino. Verbo...
O colégio é maturidade. Onde nascem irmãos, nascem orientações, palavras viram dinamite na literatura engajada, explosiva de boletins do Poder Ultrajovem. Poetas árcades, condoreiros parecem reencarnar nas personalidades ainda em formação. No entanto, conforme o braço floriano chega aos agitados, outros braços impõem força sintática sobre inspecionados e jogam anos de nossas vidas num caldeirão, onde são fritos os destinos e derretida a ilusão, fica só a Lição das Coisas, a mágoa, a saudade da fé. Se aquele professor de Português soubesse o motivo da insubordinação mental...
Contudo, o que não tem remédio... talvez o químico curso de farmácia saciasse um pouco a ânsia pela química da vida, mas a fantástica alquimia que procurava não estava na mistura das substâncias, nem o remédio para o mau do século, pandemia poética, na ciência, mas na única substância feita das misturas das letras. Farmacêutico de nascimento, manipularia outras porções: as que cortam a dor próximo e salvam brasileiros, as cápsulas, xaropes, linimentos, pomadas e injeções que aplica, até hoje, agem direto no íntimo, é o enfermeiro, médico, padre (o papa) não do corpo, da alma. A arte está além do curso.
Por isso, paciente, Dolores foi por toda a vida, desde aquele querer firme e discreto, o gesto sempre natural do amor, o bom dia (ou dias) que dizia à moça que de longe sorria À boca do Luar, a quem talvez mal encarasse, seguisse, amasse, agarrasse, mas que ainda assim perguntava e queimando em seu seio, se salvava e se danava: amor. Descobre que o que pode uma criatura, se não entre criaturas? Amar. Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega de adoração expectante. Amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? Sempre e até de olhos vidrados, amar? Este é o nosso destino: amor sem conta. E ainda que numa curva perigosa, talvez dos cinquenta, derrape noutro Amor- Amores- que dor! Mas Amar se Aprende Amando e revela as Impurezas do Branco. Volta, então, à amiga que do desnorteante caminho da amizade apareceu para ser o ombro suave onde reclina a inquietação do que forte se achava ingenuamente. Os caminhos do amor, só o amor sabe trilhar. A Paixão Medida que decifra íris e braços e faz as vidas tornarem-se uma, para após isso multiplicar-se.
Assim, como fruto do Amor Natural as águas de março trouxeram o atleta das nuvens, numa dura segunda-feira que também o levou, sob o líquido escaldante que rolava dos dois mares azuis. Continuou seu esporte: Carlos Flávio correndo na brisa, não tem parada, só, às vezes, chamava além do amor para um encontro etéreo. Entretanto, como recompensa, num doce domingo, com a graça das avós, Maria Julieta agarrada ao arco-íris vem dar mais cor à biotela de Drummond e ser sua crítica severa, de cronista para cronista, de amor para amor. Ao reparar no queixo, no olhar, no gesto, e na consciência profunda e na graça menineira o que achou ser seu melhor verso, ou único, o tudo que enchia o seu nada. Uma menina que adormecia com a cantiga de ninar que acordava os homens, mas adormece as crianças num Claro Enigma. Ela ao longo da vida seria sua confidente e companheira. Onde os traços da família perdidos no jeito do Corpo são o bastante para sugerir que ele é cheio de surpresas. A família viaja através da carne.
Dom Drummond que não nasceu com o dom de ser fazendeiro e nem nas drogas viu sentido, por que não ali estava, no interior versou com a geologia até achar um belo horizonte e suas redações e sua burocracia. Assistiu no camarote ao espetáculo da urbanização que tanto divertiu Maria Julieta. Carregou consigo por dezenas de anos, por centenas de anos um embrulho, nunca esteve sozinho, nem quando precisou de amigo, mesmo um desses calados que lêem versos de Horácio, nunca esteve vazio, pois sempre carregou algo indescritível, seria a sua Viola de Bolso Novamente Encordoada, a Bolsa e a Vida a qual se perdesse, seria perder a si próprio? Embora homem livre, levou consigo uma coisa que só os grandes homens aguentam, pois poesia é negócio de responsabilidade e não seria honesto rotular de poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo. Mesmo entendendo que até os poetas se armam, e um poeta desarmado é um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos.
Por isso Drummond é a poesia que usa óculos, a mesma insolução, o mesmo não explodindo em trovão ou morrendo calado, Aaernura e uma certa implicoisas findas, muito mais que lindas, essas ficarudio cinzacofre, que  Falta que Ama, “gauche” por profecia, um sorriso na face de um homem calado, atolado no Brejo das Almas a quem a vida começou a impor-se e desafiar com pontos de interrogação que se desmanchavam para dar lugar a outros. O que não soube andar na vastidão simétrica, mas sempre caminhou numa estrada de pó e esperança. A cicatriz do lado esquerdo é tão somente a insaciável gana por conhecer-se. Nem Tarsila, Portinari, Ziraldo, ou “La Caricature” podem desenhá-lo melhor que os substantivos e adjetivos que através da luta mais vã teve o poder de encantar, enlaçar, tontear em carícias. Se é difícil saber qual dos Andrades mais alimentou a Antropofagia, não é difícil saber que só um conseguiu dividir a Literatura em categorias mentais, pois só para ele tinha uma pedra no meio do caminho.
É... a vida é um bruto romance e nós vivemos folhetins sem o saber. O mocinho chega da pátria hermana abrando seus adjetivos mais eloquentes e arrebata-nos o coração. É a vida, na opção de viver, a graça de viver. Em Buenos Aires nascem os bisnetos do Fazendeiro do Ar, como o herdeiro do nome mais repetido na família, que em A Visita era cúmplice de Puck nos assaltos ao açucareiro. Às vezes, mentia para livrar-se da grave acusação de sujar a toalha, mas a culpa, mesmo, era de Puck, glicólatra assumida. Mas também como não ser, com um vovô que prometia caramelos até por cartas ou que os dava num passeio no corcovado, como revelou o outro, o netinho engraçado. Esses foram Os Dias Lindos passados na presença da Obra Completa ou em Reunião e Nova Reunião com ela, mantendo o Mundo Ilustrado e O Prazer das Imagens. De Belo Horizonte achou um novo e perfeito horizonte na Joaquim Nabuco.
Contudo, anjos alvíssimos espreitam a hora de apagar a luz de teu quarto para abrirem as asas que purificam sonhos. Carlos Drummond de Andrade, físico, começa a deixar o (Uni) verso quando termina a vida da pessoa que mais amou neste mundo. No mês dos ventos, mais uma vez os ventos. A Poesia Errante o abandona e deixa só o Amar Amargo da Busca. E agora Carlos? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora Carlos? E agora você que é sem nome, você que faz verso, que ama, protesta? Está sem Discurso de Primavera, está sem carinho, a noite esfriou, o dia não veio, o riso não veio, não veio a utopia. E agora, Carlos? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua biblioteca, sua lavra de ouro... com a chave na mão quer abrir a porta, quer morrer no mar, mas o mar secou, quer ir para Minas, Minas não há mais. É demais para um coração de poeta ver seu botão de ouro murchar no jardim. Acha que não tem mais futuro, que tudo acabou. Os olhos estão secos, está cansado de viver sem sua Julieta apaixonada e, a exemplo de Romeu, quer reencontrá-la. O poeta está melancólico. Os ombros não suportam mais o mundo. Maria Julieta espera o reencontro.
Não demora a também se entregar ao vento, mineiro como sempre viveu: discreto, generoso, tímido, recatado. O versejador das Alterosas penetra surdamente no reino das palavras sem matéria. Adeus composição que um dia chamou-se Carlos Drummond de Andrade. Adeus sua presença morna, seu olhar, suas veias grossas, seus sulcos no travesseiro, sua sombra. Se ao menos você gritasse, se você gemesse, se você tocasse, se você dormisse, se você cansasse... você é duro, Carlos! Um homem dissolvido na natureza. O Menino Antigo que revela que sua história fora mais bonita que a de Robinson Crusoé, não será mais o poeta de um mundo caduco e nem inundará o mundo, tão vasto mundo, com sua poesia, basta o seu vasto coração.
Assim, meus queridos filhos, não chorem! Falecem deveras os avós? É apenas o Ciclo. Ele escreveu sua autobiografia na suas biografias, seu sangue bole nos seus, sem saber o viverão em si e, sem saber, vão copiando suas imprevistas maneiras, mais do que isso: seu fremente modo de ser. Vão descobrir o que lhes deste sem saber que o davas, vão compreendê-lo somente de esmerilar em seu retrato ou seu vago negativo. E, então, o conhecerão mais que a si próprios, pois é seu vaso de transcendência. Refarão os gestos que o retrato não pode ter aqueles gestos que ficaram a espera de tardia repetição e, tão seus eles se tornaram, tão aderentes aos seus seres que suponho foram copiados de vocês antes que os fizessem e, furtando-lhes a iniciativa, esse ladrão roubou-lhes o espírito.
Os homens distinguem-se pelo que fazem as mulheres pelo que levam os homens a fazer, portanto guardem no mais seguro cofre, que é o coração a recordação do vovô, um homem com apenas duas mãos e o Sentimento do Mundo. Aquele que enquanto vivo negou o convite de se tornar imortal, mas mesmo assim se tornou, pois é o poeta mais presente no coração do brasileiro a quem Deus vela sono e sonhos. Dessa forma, fica a cada um de vocês as Recomendações da Mamãe, A Lição do Amigo, a Poesia até Agora, a memória do homem que nunca se deixou cantar pelos poderosos e a eles não prestou serviço, mas conservou sua dignidade, não participando do que é nocivo ao bem comum, antes quis falar mal do empreguismo, do clientelismo, do filhotismo num país onde muitas vezes é proibido sonhar. Sua poesia foi vocação desenvolvida pela motivação de tentar resolver, através de versos, problemas existenciais internos que todos temos como a angústia, incompreensão, inadaptação ao mundo. Foi poeta pelo desejo e pela necessidade de exprimir sensações e emoções que perturbavam a humanidade. Sua poesia, crônica foi seu, nosso sofá de analista. Nunca teve a pretensão de ganhar prêmios ou de brilhar pela poesia, pois jamais foi tentado pela fama. Sua obrigação exclusiva foi interpretar bem o sentido das coisas, o mistério da alma humana, de suas relações sociais e presentear-nos com um poema para cada situação. Soube que um artista ou intelectual tem opiniões que pesam muito na sociedade e com ela colaborou não só pelo serviço público, mas por sua poesia que é uma cartilha que alfabetiza poeticamente. Além de manter a inspiração submissa na ponta de sua pena ou na tecla de sua Olivetti Studio cinza. É o Baudelaire brasileiro.
Este, meus filhos, é o meu testamento. A melhor herança que lhes posso deixar é a lembrança de Carlos, filho, pai, avô, amante, amigo, mineiro, funcionário de confiança, cronista, poeta, contista, editor. Para cada brasileiro fica ao menos um poema, um verso, uma frase de meu pai, pois as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.
O que mais, vida eterna, planejas? O que desatou num só momento não cabe no infinito. O vento trouxe Carlos para mim, num encontro de nuvem. Não mais nos afastaremos, vamos de Mãos Dadas.
Essas palavras e a autora estão amorosamente dedicadas (com ternura e uma certa implicância).

Maria Julieta Drummond



Redação para o concurso de redações Projeto Memórias, do Instituto Assis Chateaubriand







sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

SUSPIROS ÉPICOS

 


Quando o sol desmaiava sobre mares
Jamais´por lusos olhos alcançados,
Guerreiro, travava batalha em hades
Por seus sonetos idealizados.

Sua arma não é espada ou canhão,
Nem pesa sobre ele a força do braço,
Antes a pena e sua inspiração
Vem transportar-lhe de corpo e alma ao espaço.

Nem ondas turvas, nem água salgada
Ou a Dinamene querida a gritar,
Após o naufrágio, desesperada,

Poderá fazer o amado a salvar,
Pois sua pétala é que importa, e nada,
 Nada fará o poeta sua arte deixar.

2º LUGAR NO 1º VARAL DE POESIAS DO CURSO DE LETRAS DA FEM

PÁSSARO FERIDO (à amiga Andréa Souza)

Com as asas no ar
e cabeça nas nuvens,
voavas por céus e terras
colecionando culturas
e simpatia de todos os povos,
mas principalmente corações.
No meu fizeste morada, não passageira,
deste asas aos sonhos que também eram meus,
mas do teu  último vôo, ficou a ferida:
por mais que te fale,
não me ouves e nem respondes;
por mais que te abrace,
não te abraço;
por mais que te toque,
teu tato não sente;
por mais que estejamos juntos,
estamos separados.
Desde então, tu me fazes querer o que não posso querer
só para ver-te, falar-te, tocar-te.
Tu te transformaste na bruma do meu olhar.

Hoje, por que bateste as asas, meu pássaro, meu anjo,
eu só posso recordar: tu és livre.
Pássaro ferido, sou eu.
 Livre.
2º LUGAR NO CONCURSO DE POESIAS EM ALTEROSA
PUBLICADO NA 1ª ANTOLOGIA POÉTICA DE ALTEROSA

ALFA E ÔMEGA


 
Fomos modelados  e esculpidos a mão
Pela inteligência do Artista Divino,
Que trabalhando a terra e inspiração
Fez de uma escultura, o vaso mais fino.
 
Dentro desta escultura colocou uma alma .
Com um sopro transformou o boneco em homem
Revelando a sua imagem com toda calma
Em seres para que à natureza se somem.
 
E estes receberam confiança e livre arbítrio,
Mas toda liberdade e  consideração,
Não bastou ao homem, que achava estar em vítreo
 
Assim deixou a Deus, sem nenhuma razão
E saiu pelo mundo dando esbarro,
Esqueceu: sem Deus, o homem volta a ser barro.

 
PUBLICADO NA 1ª ANOLOGIA POÉTICA DE ALTEROSA E NO BOLETIM INFORMATIVO DA IPI DE ALTEROSA

JOGUETEAR


 
Jardins jamais jazeram
junto ao jarro de jasmins,
jeitosas jóias jurássicas,
juvenescedoras jóias.
 
Jeremeantemente, joio junta-se às jóias,
junge justaposto aos jardins,
jura justiça às jóias joviais do jardim.
 
Jorrando jucundidade, júbilo,
o jarro juvenil junta-se ao joio jurador.
Júpiter, Jeová jeremiam.
 
Joio justa, judia do jarro juvenil,
Os jasmins jazem.
jaz  a jazida de jóias
e jazigo já juncado. 

Publicado no SOLETRANDO E NA 1ª ANTOLOGIA POÉTICA DE ALTEROSA

sábado, 1 de janeiro de 2011

O vendedor de doces

Foi na adolescência que me encontrei com Machado de Assis. Fase difícil, mas a literatura foi um remédio para as crises existenciais, era um mundo novo ao meu alcance todas as vezes que a realidade ficasse sem graça. As letras passaram a ser minhas amigas e começaram além de me transportar, transformar e não foi só a minha professora de Português que notou que eu estava me tornando uma pessoa bem diferente. O primeiro romance que eu vivi foi Helena, na época que minhas amigas e eu colecionávamos histórias de amor na memória e em caderninhos de versos. Todas nós nos sentíamos a mocinha e quando o desfecho chegou, que mar de lágrimas! Mas em uma semana estávamos recuperadas, vivendo o amor de Capitulina. Aprendemos rápido a tomar cuidado com os homens, ficamos, todas, de mal dos meninos da classe que acusaram Capitu de alta traição. Das lágrimas, às gargalhadas, ao asco dos vermes que corroeram Brás, uma variedade de emoções. Depois que o alienista me apresentou a psiquiatria, nem achei tão dolorido meu psicotratamento!
Quando chegou o momento de escolher uma carreira, decisão ainda tomada muito cedo, resisti ao desejo de mergulhar também cientificamente no reino das palavras, inocente eu achava que diversão era uma coisa, trabalho outra. Porém, o coração falou mais alto, quando me dei conta, já estava me divertindo, numa classe, transmitindo aos adolescentes e jovens a mesma magia que me envolvera. Hoje a cada leitura, uma nova releitura humana das personagens fictícias e reais. A cada aula que chego pensando que conheço o velho Machado, sou surpreendida. É com fascínio que nós juntos, alunos-professor, aprendemos dia-a-dia a também viver as histórias fantásticas do maior gênio das palavras portuguesas no Brasil, o qual emprestou à ficção personagens e características inerentes a sua genialidade:
Cínico, humorista, irônico, sugestivo, sarcástico e mestre da observação psicológica, o criador dos olhos de ressaca afastou-se dos seus contemporâneos. Como arquiteto de personalidades tornou-se o melhor romancista brasileiro. Um autor que não ficaria preso a estilos de época, que queria ser lido e há mais de um século vem sendo, inspirando escritores, dramaturgos, atores, professores... Embora se atribua a ele destaque maior nos romances, os demais gêneros, que versou, não são menos significativos. Sua pena primou com semelhante esmero no conto e no teatro e na crônica e na crítica e no ensaio e na novela e na poesia. Se questionado como poeta, a musa Carolina, com certeza não vira outro poeta mais enamorado versificar a poesia romântica/parnasiano-realista.
Da mesma forma, quando nos voltamos para sua biografia e tentamos como ele fazer uma análise psicológica, além de seu talento com as palavras, podemos focalizar a história de superação, exemplo não só para os machadófilos. Numa sociedade casmurra, que mesmo 120 anos após a abolição não conseguiu abolir o preconceito, um mestiço do século XIX, pobre, epilético e ga-ga-gago, não teria muitas perspectivas, no entanto estamos falando de Machado de Assis, cujo engenho nato expresso num inabalável instinto de vitória, fez o menino da periferia, tirar até de uma relação com a madrasta, doces. Doces que levariam Machadinho à escola, não para estudar...
A vida exigir-lhe-ia o autodidatismo. Na adolescência publica poemas, aprende a tipografia, encontra-se com o romântico Manuel Antônio de Almeida que percebendo o precoce prodígio, futuro destaque da Literatura Universal, encoraja-o a superar o Hades dos Desencantos humanos, que bem conheceram. Ao lançar o primeiro romance, não foi por acaso o título Ressurreição. Era Machado de Assis cada vez se distanciando mais de Joaquim Maria, o que haveria de tratar de temas universais como a loucura, diferenças sociais, alma feminina, vaidade, sedução, casamento, adultério, através de uma linguagem de estilo inovado, com frases e capítulos curtos, retratando a vida coroada como um espetáculo.
Assim, ele tinha de se tornar um dos ilustres deuses de casaca, mas foi além, o primeiro presidente da ABL, consagrado ao cargo não pela idade, mas por que ali é sua casa, local onde deixou marcas no segundo andar, na cadeira José de Alencar, em quaisquer Relíquias da Casa Velha: literatura e Machado de Assis são como A Mão e a Luva e as páginas que escreveu não passam umas sobre as outras esquecidas apenas lidas, é o memorial, não apenas de Aires, e sim a escrita da alma sedenta da arte da palavra, divulgada e cultuada, até hoje, com seu incentivo. A marca temporal que ultrapassou Histórias sem Data e tornou-se clássica.
Portanto, se Cubas não transmitiu a nenhuma criatura o legado da sua miséria, Machado, pai de muitos Estácios, Estelas, Escobares, Borbas, Bentinhos, Beneditas, Palhas, Pedros e Paulos, deixou para a humanidade uma galeria de personagens imorredouras na mente de cada leitor com o qual compartilhou momentos únicos das Várias Histórias. E mesmo quando se foi a melhor parte de sua vida, a mulher protagonista do seu enredo particular, oh! “_ Tu, só Tu, Puro Amor!”, a razão de viver começa a deixá-lo. Uma vida que além de vivida fora sonhada a dois, dá vontade de pela eternidade continuar junto. Todavia se para o material há termo, a recíproca não é verdadeira para o amor real ou para as memórias talvez póstumas. Mesmo aos 100 anos de seu desaparecimento físico podemos afirmar: Machado de Assis não morreu, o óbito é desventura dos comuns, mas não de quem inventou a imortalidade (e isso não é um paradoxo). Conforme as mais sábias filosofias, a Machado a recompensa: as notáveis batatas!
A nós o privilégio de sermos em todo o tempo seus aprendizes na escola, na casa, na vida. Nunca deixaremos de viajar por suas narrativas, que serão sempre atuais. Que passem os anos, Machado de Assis não passa, permanece. Juventude e maturidade das gerações vindouras continuarão a se distrair, deleitar e enriquecer com sua arte, ainda que os livros virem e-books.

meu 2º texto premiado pela Academia Brasileira de Letras