Jornal Infinita: Ariano, normalmente eventos como a Feira Do Livro de Poços de Caldas acontecem só nas capitais, como a Bienal, por exemplo gostaria de saber como é, para o senhor, participar de um evento no interior do Brasil?
Ariano Suassuna: É uma alegria para mim, principalmente se for no interior de Minas, estado o qual eu diria que é um estado nação cultural, e tal qual pelo nordeste, tenho admiração profunda. O que eu amo no Brasil é essa imensa universidade cultural. Eu amo profundamente o país inteiro, mas se fosse pra escolher um outro estado fora do nordeste, seria Minas, porque é um estado que tem um peso visível na cultura Brasileira.
Eu citaria alguns episódios: Ouro Preto, como um todo, o santuário de Congonhas feito por Aleijadinho, a música barroca do século XVIII, João Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, que foram meus amigos. João Guimarães Rosa fez um poema sobre mim e me dedicou, uma beleza de poema começa assim: “Em tempo duro ou tranquilo, Riobaldo abraça João Grilo/ e já que a arte é vera e una,/ o Rosa abraça o Suassuna”.
Drummond escreveu as coisas mais compreensíveis e mais belas que eu já vi sobre meu romance a Pedra do Reino, éramos amigos fraternos além da grande admiração que eu tinha por ele, então essa identificação com Minas é muito antiga e forte em mim como o nordeste e interior do nordeste, então uma feira feito no interior de Minas me agrada muito.
Jornal Infinita: Sabemos que essa sua paixão por Minas vai ser retratada no seu próximo livro. Como é que está a preparação desse livro que na verdade vai ser uma trilogia, como estão as escrituras e suas viagens por Minas?
Ariano Suassuna: Você vai perdoar, mas eu não vou responder sua pergunta não, porque eu recebi um pedido da minha editora no Rio, para não falar no livro, tá certo?!
Jornal Infinita: Nós podemos falar então da sua decisão de não adotar o novo acordo ortográfico?
Ariano Suassuna: Mas, como vocês descobrem isso?! que povo mais fofoqueiro! Olhe eu vou lhe dizer da minha vida como professor de Português: tá certo?! Eu estudei quatro reformas ortográficas, agora eu tô com 84 anos, mas perdi minha paciência, eu perdi minha paciência. Meu dever eu fiz. Hoje eu não sou mais professor de Português, mas a Língua Portuguesa é o meu material de trabalho. Eu sou um escritor e posso dizer sem nenhuma vanglória que eu conheço bem o Português do medieval, até hoje, eu estudei Latim. Então quando eu faço uma coisa que contraria a regra eu tô fazendo porque me é necessário, mas assim mesmo eu estudei todas as reformas, até que eu perdi a paciência, eu perdi a paciência no dia que abri uma enciclopédia e estava meu nome escrito com “ç”, olhe isso: Suassuna com ç não é nome de gente, parece nome de cobra, não é, Ariano Suassuna, com ç parece mais é marca de cobra! Aí eu fui conversar com Aurélio Buarque, que era meu amigo. Ele então me disso que nomes indígenas eram escritos com ç e Suassuna é indígena, então eu disse como é que você sabe, os índios nem linguagem escrita tinham, como é que você sabe que quando eles diziam Sua...ssu...na, aí era com ç? Como é que você sabe? Pois bem, mas ainda eu agüentei... mas aí começaram a escrever o nome de Euclydes da Cunha com “i”. ele escrevia com “y” e ninguém tem o direito de mudar o nome de uma pessoa. É uma propriedade da família e da pessoa. Então eu escrevi um artigo para a Folha de São Paulo, eu tinha escrito Euclydes da Cunha com y, quando eu vi, eles tinham corrigido, então escrevi um artigo para lá reclamando e dizendo,que não admitia isso não. Então agora eu escrevo como eu quero, tem hora que penso: a pontuação quem faz sou eu, colocação de hífen é uma coisa pessoal, minha. Pois bem, estão querendo com a difusão dos meios de comunicação de massa, adotar pronúncias inteiramente erradas e feias. O nome ileso, por exemplo, é [iléso], mas estão espalhando o pronúncia de [ilêso], não é ilêso, então eu escrevo iléso e boto um acento agudo. O dos outros podem ser [ilêso], mas o meu é iléso.
Ruben Alves: posso dizer uma coisinha:
Ariano Suassuna: Pode, deve!
Ruben Alves: eu tenho uma raiva dos gramáticos pela presunção de poder mudar a grafia dos nomes. Eu já perdi um livro por causa disso, pois eu escrevo estória e também história. Estória é aquela coisa que você conta e que nunca mais vai acontecer e história aquilo que acontece sempre. Guimarães Rosa na Tutaméia diz assim “a estória não quer saber de nada com a história.” Mas agora eu não posso mais escrever estória, se escrever eu tenho de colocar entre parêntese: revisor, não corrija é estória mesmo. Então os gramáticos não têm o direito de fazer isso. Você falando de colocar os acentos nas palavras, eu já fiz isso com a palavra “anu”. Eu botei anús com acento, disseram que não existia, mas eu boto o acento para não correr o risco das pessoas lerem ânus. Não é ânus é anús.
Jornal Infinita: As suas palestras costumam acontecer como aulas espetáculo, onde você relembra fatos, comenta sobre a atualidade e discorre sobre a Literatura.
Comente um pouco mais sobre essa atitude de ser um palestrante diferente.
Ariano Suassuna: Isso foi uma descoberta que eu fiz como professor. Eu fui professor desde os 17 anos até os 70, quando me aposentei. Eu continuo dando aula, hoje mesmo vou dar uma(se refere à palestra). Eu descobri que o professor tem que ter alguma coisa de ator, se não tiver ele não se comunica. Então eu organizei esse tipo de aula que eu chamei de aula espetáculo, porque mesmo depois, se a aula saiu ruim, eu posso dizer que dei uma aula que foi um espetáculo. Tá certo?! Eu levo sempre pra minhas aulas dançarinos, músicos, cantores, pois aí quando o professor tá muito tedioso eu peço pra cantar, pra dançar, mas é mais pra mostrar com exemplos concretos o que eu estou dizendo de forma cinzenta e teórica.
Jornal Infinita: Você criou o Movimento Armorial pra lutar contra a vulgarização e descaracterização da cultura, você acha que o movimento tem dado resultado?
Ariano Suassuna: Olhe, tem muita coisa contribuindo para melhorar. A coisa não tá boa não, mas tá melhor do que quando eu era jovem, quando o povo brasileiro tinha péssima opinião de si próprio e isso não é verdade. Nós vivemos num grande país e o nosso povo é um grande povo. Um povo que deu o santuário de Congonhas, o livro Grande Sertão Veredas, falando sobre nordeste o Sertões de Euclydes da Cunha. Então um povo desse, eu diria, tem o direito de levantar a cabeça para o mundo. Você diria um escultor nas Américas toda, fora o Brasil? Me mostre um escultor da qualidade de Aleijadinho? Me mostre um músico na qualidade de Villa Lobos, não é?
Isso está começando a aparecer, eu tô vendo inclusive a nossa juventude mais orgulhosa de seu país e de seu povo e isso se deve ao trabalho de todos esses grandes artistas, o Aleijadinho, Heitor Villa Lobos, Euclydes da Cunha, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade etc.
Jornal Infinita: Como professor de português o que o senhor fazia para motivar seus alunos a ler, a se apaixonar pela Literatura?
Ariano Suassuna: Eu fazia isso mais quando eu fui professor de Literatura Brasileira. Eu obrigava meus alunos a lerem e procurava chamar a atenção dos meus alunos para a importância dos nossos escritores. Eu vou lhe dar um exemplo: José de Alencar que é considerado um romancista pra adolescente e um romancista de segunda ordem. Costumam compará-lo com Machado de Assis, exaltam o Machado e rebaixam José de Alencar, é uma injustiça! Machado de Assis é um altíssimo escritor, mas ele próprio se considerava discípulo de Alencar. Os romances urbanos de José de Alencar deram origem aos romances de Machado de Assis. Com isso eu não tô querendo dizer que ele era um escritor tão importante quanto Machado de Assis, mas ele é o escritor que é o fundador do romance brasileiro. Então você veja uma coisa, eu vou dizer só uma coisa: José de Alencar fez o romance procurando cobrir o tempo e o espaço do Brasil que ele conheceu. Ele pensou em escrever um poema épico em prosa chamado Os filhos de tupã, ele não chegou a escrever, mas os livros indianistas dele, Iracema, Ubirajara vêm daí, pois bem as cenas eram passadas na Amazônia, o Sertanejo era no Ceará, a Guerra dos mascates, no Pernambuco, As minas de prata na Bahia, o Tronco do ipê, no estado do Rio, o Gaúcho, no Rio Grande, ou seja, ele procurou cobrir o espaço brasileiro todo além de cobrir o tempo. Os filhos de tupã, na época do descobrimento, o Guarani, século XVI, XVII, As minas de prata, século XVII, a Guerra dos mascates, século XVIII e os romances urbanos são do século XIX, quer dizer ele tinha um plano, ele pensava o Brasil. Eu mostrava isso aos meus alunos.
Ruben Alves: eu que quero te dizer, tchau.
Ariano Suassuna: Tudo de bom meu amigo, Deus te abençoe! Deus te abençoe!
Ruben Alves: Deus te abençoe, também, eu te desejo vida longa e frutífera, porque ser longa sem ser frutífera não vale a pena.
Ariano Suassuna: as duas coisas.
Ruben Alves: vou entrar em contato.
Obs: Procurei reproduzir as falas dos escritores tais quais foram ditas por eles, para que os leitores sentissem –se também familiarizados, próximos deles, como eu estive e vejam que um grande escritor como é o caso dos dois citados, são pessoas comuns, simples, amigáveis... falam o bom português coloquial, embora saibam tudo de todos os portugueses.
Fabiana de Oliveira Ribeiro
Ariano Suassuna ao vivo
O escritor pernanbucano Ariano Suassuna, entrou no teatro da Urca, em Poços de Caldas, aplaudido de pé pelas centenas de espectadores que o aguardavam e se retirou do local também ovacionado de pé pelo público, que ao longo de sua fala apresentava várias demonstrações de regozijo ao ouvir de um senhor de 83 anos de idade as mais diversas demonstrações de memória, sensibilidade, destreza com as palavras e simpatia.
Bem humorado, quebrou o cerimonialismo da ocasião satirizando sua entrevista para o Jornal da EPTV, poucos minutos antes e apresentado sua esposa, a quem namora desde 1947.
Ariano justificou que seu apreço pela cultura brasileira não quer dizer que deprecia a cultura estrangeira. Grato a Cervantes, Sheakespeare, Dostoievisk, por exemplo, explica que é contra o lixo importado pelos meios de comunicação de massa. Usa-se a expressão “é isso que o povo gosta”, mas explica sua opinião contando uma parábola de um amigo chamado Capiva. Segundo Capiva cachorro gosta de osso, mas Ariano afirma que ele gosta de osso, porque ele só recebe osso. Segundo ele, é isso que tem acontecido ao povo Brasileiro, a TV não o deixa entrar em contato com o filé da cultura.
Acusado também de ser inimigo da modernidade, o escritor prova que não precisa de nenhum recurso moderno para realizar suas atividades, inclusive sua palestra, que foi uma das mais cativantes que já tive oportunidade de participar, seu principal recurso: a oratória, que faz de um simples improviso, um discurso, mesmo sendo gago e tendo sotaque nordestino e voz de taquara rachada, como ele próprio confessa, afim de tirar a força das críticas. Afirma que tem memória de “cachorro vingativo” e prova. Após declamar de Camões a Manuel Bandeira, com uma brilhante passagem por um sermão(todinho) de Vieira, a sensação que me tomou de mim mesma e, creio que a todos ali, foi a de total incapacidade mental. Fiquei com vergonha da minha péssima memória, em plenos 30 anos, que me dificulta a declamação de meus próprios poemas.
Ariano conta também que sua paixão pela língua nacional o levou aos 17 anos tornar-se professor da Língua, para entendê-la melhor estudou latim e dá trabalho para os editores mal informados ou formados. Afirma não ter muita imaginação, mas sim atenção às mínimas coisas. Sobre a substituição do livro no mundo moderno, pela tevê, por bandas de rock, por exemplo, diz que a banda até pode ter mais sucesso, mas Os Sertões, têm mais êxito, todo mundo sabe de sua importância, até quem não o leu.
Após aquelas quase duas horas de palestra, o meu sentimento foi, finalmente(após oito anos lecionando Literatura Brasileira e Português na escola) o de entender o que é realmente ser um imortal, um escritor como Ariano Suassuna, sequer envelhece. O simples contar de suas experiências cotidianas já são Literatura e, melhor, nos sentimos fazendo parte dela, um pouquinho imortais também.
Conhecer Ariano Suassuna, fez-me sentir que na simplicidade mora a sabedoria e que a arte mora a eternidade.
Fabiana de Oliveira Ribeiro